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  “FRESA Y CHOCOLATE” - RETORNO A CUBA 
                    18-11-1994 
                   
                    Jorge Perugorría como Diego e Vladimir Cruz como David 
                  https://www.latinolife.co.uk/articles/films-watch-you-die-8-strawberry-and-chocolate-fresas-y-chocolate-cuba-1993   
                  "Fresa  y Chocolate" é um filme cubano aclamado de 1994, dirigido por Tomás  Gutiérrez Alea e Juan Carlos Tabío, sobre a amizade entre um jovem  comunista e um homem homossexual e dissidente. Baseado no conto "El  Lobo, el bosque y el hombre nuevo" de Senel Paz, o filme foi o  primeiro a ser indicado ao Oscar pelo cinema cubano e aborda temas como  liberdade, preconceito e a coexistência com a diferença em Cuba durante os anos  80.  
                    
                  O  filme “Fresas y Chocolate”, de Tomás Gutierrez Alea e Jean Carlos  Tabio, deve ter sido uma revolução dentro da Revolução Cubana. Ou, se  preferem, uma espécie de contra-revolução. 
                    Os contos originais de Senel Paez — inclusive o “El Hombre Nuevo”, cujo  título ironiza a pretensão utopista de forjar um novo homem na incubadeira  do socialismo, sofreram um processo de adaptação interessante, mas também  transformador. 
                    É um filme voltado para a realidade  de  Cuba, frustrada esta com a crise econômica, moral e cívica em que está afundada  desde a queda do Bloco Soviético e com a persistência nefasta e injusta do  embargo ianque.  
                    A decadência e o cansaço com a ideologia  inspiraram um texto ácido, cáustico,  introspectivo, contundente sobre os descaminhos da Revolução e sobre o  desencanto das novas gerações. Revela a sobrevivência crítica de valores  desprezados pelo oficialismo — a religião, o fetichismo, os autores “burgueses”  (entre eles Lezama Lima e Vargas Llosa!) assim também os tabús da  obsessão sexual e do homossexualismo, temas presentes, onipresente, mas sempre  tratados com hipocrisia e intolerância pela sociedade. Para não citar a  questão  mais grave das lutas de classe e  do racismo, que estão camuflados (embora a Revolução propague slogans tais  como “todos tenemos sangre negra en nuestras venas”) é a casta branca que  domina e continua desprezando a negritude, salvo na hora do culto das  tradições, da música, do sexualismo. Negro é símbolo de virilidade.* 
                  [*Na  peça “El Hombre Nuevo”, adaptação portorriquenha do canto de Senel  Paez, o homossexual era também mulato (no filme é branco...) e confessava  que isso aumentava a perplexidade e a intolerância, pois de um negro sempre se  espera “virilidade y hombría”.  
                    Na peça usou-se o recurso, mais  apelativo, mas de excelente efeito, a cena do travesti, dublando uma rumbeira! 
                    As músicas trazem (ou recolocam?)  as marcas de uma tradição deslocada pelo socialismo, em particular as  composições cubanas do período espanhol, os autores ingleses e a expressão  máxima da musicologia que foi Ernesto Lecuona.  
                    Aparece  uma Havana corroída, desgastada. Os velhos palacetes transformados em cortiços,  castigados, sem a dignidade dos velhos e “gloriosos” tempos. Como-que em  penitência, punida por seus pecados de luxúria nos tempos de Batista. E  o pior de tudo, com muitas famílias convivendo em forma conflitante, sob a  espreita constante de uma “Vigilante”. No caso do filme, uma prostituta  depressiva que pratica o câmbio negro (quem não faz em Cuba?), que continua  religiosa e supersticiosa, que vive sob o domínio dionisíaco do prazer e se  sublima nas relações amorosas com o jovem comunista (e virgem) David—  uma espécie de Bubulina ou Cabíria, no cliché de sucesso marcado  por Felini e Nellina Mercuri. Mas o clichê funciona e até se  renova. 
   
                    Feito para o público cubano, o filme recai nas teclas desgastadas da defesa do  homossexualismo, através do apelo aos exemplos de heróis gregos e romanos, sem  faltar o Oscar Wilde e até a insinuação sobre o próprio Hemingway,  um mito criado pela Revolução em virtude de sua simpatia pelo regime de Fidel  Castro. Por certo, o personagem revela a face cruel do efeminamento como  reação ao machismo, como forma assumida para resistir à discriminação, como  escapa ou até mesmo como agressão aos valores repressivos. Um lugar-comum.  
                    O filme é uma produção cubana-espanhola e assumiu algumas limitações, de forma  muito inteligente, minimizando o discurso sobre as questões culturais, sobre os  autores proscritos, como são os tratados no conto e, ainda que mais  superficialmente, na peça teatral.  
  Lezama Lima vira um poster na parede, confundido pelo comunista David como sendo o suposto pai do homossexual... Fato revelador da censura ao  intelectual  cubano mas que Senel Paez,  através de seu personagem  homossexual,  considera o mais denso e acabado intelectual cubano de todos os tempos. 
   
                    A atuação de David é convincente mas sem maiores virtuosismos. O texto  apresenta o personagem como uma beleza mas o filme mostra um jovem apenas  bonito, com um físico acanhado, com mais pose do que circunstância, mas também  isso se encaixa muito bem. Pior seria colocar um modelo escultural, sem  refletir a realidade que o autor quis encarnar.  
                    O homossexual, ao contrário, é um personagem bem mais delineado, com  parlamentos mais elaborados, com uma personalidade infinitamente melhor  retratada e, por sorte, interpretada. Tal como na peça teatral, o efeminado  “rouba a cena”, e transforma o comunista em mero coadjuvante. 
                    É sintomático que o filme não tenha sido censurado pelo regime castrista e  resulta compreensivo o impacto sobre o público local. Nunca um filme fez tanto  sucesso, trouxe tanta gente ao cinema, e causou tanta polêmica. É um marco no  processo de abertura, de revisão de valores, de auto-crítica, com consequências  devastadoras no mesmo processo, em virtude das denúncias e da reflexão. 
   
                    No Exterior, vem merecendo prêmios e reconhecimentos, sobretudo pela sua força  e autenticidade, pela coragem de seu testemunho, apesar de suas deficiências  cinematográficas. Revisto daqui a alguns anos, será possível afastar o seu  impacto sociológico (e anti-ideológico) e perceber a linearidade de sua  narrativa, certa superficialidade e até ingenuidade no trato de certos símbolos  assim como reconhecer o excessivo realismo de suas interpretações. Mas até  esses descuidos ou enfatizações argumentativas das imagens e dos diálogos  resultam extremamente válidos! 
                
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